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INSERÇÕES

A exposição “Inserções” nos revela a produção dos últimos anos da obra de Adriano Mangiavacchi. Nascido em Roma e havendo estudado pintura na Academia de Brera, em Milão, aprendeu desde cedo a desenhar as ruínas daquelas cidades. Ao transferir-se para o Brasil em 1970 para trabalhar em uma fábrica italiana de automóveis, o artista encontra a exuberância da paisagem brasileira e suas cores tropicais e deixa de lado o trabalho de engenheiro para mergulhar lentamente em sua produção artística. A partir da década de 1980, constrói sua obra a partir da observação da plasticidade do espaço urbano, seus muros e paredes corroídos pelo tempo. Suas primeiras exposições mostram registros deixados em paredes da cidade durante uma disputa política.

 

Segundo Adriano, é a partir das aulas com Luiz Áquila no Parque Lage e da convivência com João Grijó, no atelier da Gamboa, que decide armar-se de coragem e, definitivamente, mergulhar em seu projeto pessoal de “fazer paisagem”. Deixa de lado os tons terrosos, os ocres e os sépias tão tipicamente presentes na arte italiana de todos os tempos - dos murais e mosaicos de Ravena, Siena, Pompeia - para lançar-se na permanência dos azuis e verdes, e na vibração de laranjas e amarelos da paisagem tropical. Como Castagneto, Fachinetti e tantos outros paisagistas italianos que aqui se estabeleceram, Adriano constrói sua narrativa a partir da observação e do recorte da paisagem. Seleciona pedaços, fotografa, reproduz, usa recursos da gravura para imprimir na tela de suas pinturas trechos que juntos engendram uma nova cena, idealizada e iluminada por uma ampla paleta de cores.

 

O sensorialismo presente na obra de Adriano está ligado a correntes artísticas que nos anos sessenta criaram uma nova ordem. Forma, fundo e cor passaram a ser tratados com o mesmo nível de importância e o quadro passa a ser não apenas um suporte para a obra mas um campo de experimentação. Alguns artistas abandonaram seu interesse pelo objeto e lançam-se à pesquisa de processos de fazer arte, abrindo caminho para práticas que posteriormente levariam a ações relacionadas ao meio ambiente, como a land art, e à performance, como a body art. Além do minimalismo norte americano que reagiu aos excessos do expressionismo abstrato e navegou entre o formalismo e o informalismo, o movimento póvera surgido no mesmo período, a partir da atuação de artistas italianos, aproximando ainda mais o artista da investigação, tornando mais evidente o caráter empírico e especulativo da obra. Para Germano Celant, crítico que cunhou o termo arte póvera e produziu uma série de ensaios para exposições que organizou, essa forma de arte deveria estar liberta de toda superestrutura histórica e simbólica. Mais do que trabalhar sobre princípios, esse novo artista-alquimista precisava descobrir as raízes das coisas, participar de acontecimentos naturais para descobrir-se a si mesmo, seu corpo, sua memória, seus gestos, suas emoções e tudo que decorresse de seus sentidos.

 

A construção das telas de Adriano, organizadas com precisão a partir de pequenas quadros de menor porte, posicionadas lado a lado, nos revela um obsessivo trabalho de criação de uma estrutura sobre a qual o gesto generoso e amplo do artista transborda fronteiras, expandindo e tomando a superfície a um só golpe. Há aqui um certo olhar pop a nos levar para para os limites da percepção, um Blow up controverso, como um filme de Antonioni.

 

A fotografia surge então como importante ferramenta na construção de uma linguagem própria onde contornos de horizontes e vestígios de vegetação justapõem-se em um fascinante jogo de cores e formas. O artista não teme as cores. Vale-se delas com grande liberdade e lirismo, das mais quentes às mais frias, até o esgotamento de seus efeitos sobre nossas retinas. As telas de Adriano aqui expostas são como um tecido de múltiplas cores que provoca a imaginação, esgarça os sentidos e arrebata sensações.

 

Adriano é artista de sensibilidade extrema e de profundo senso estético. Habitante de uma das metrópoles mais retratadas do mundo depois de Paris, nos séculos dezenove e vinte, apropria-se da paisagem do Rio como alguém que conhece profundamente a cidade - um observador assíduo que de tanto testemunhar a vida de seus habitantes e a própria cidade acaba por  apaixonar-se por seu objeto de desejo.

 

Claudia Saldanha

em dezembro de 2022

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