PINTURA DRAMÁTICA
O italiano Mangiavacchi mostra na Saramenha suas novas pinturas que, com muita dilaceração, fazem uma viagem interior.
Em 1970, Adriano Mangiavacchi veio para o Brasil trabalhar na Alfa-Romeo, que estava se instalando então no país. Engenheiro, com vontade de conhecer uma cultura diferente da sua, ele pretendia ficar aqui só por um ano. Chegou, começou a trabalhar, conheceu gente, casou se, teve filhos e acabou ficando. Mas a mudança não foi só esta: Mangiavacchi pintava primeiro para si mesmo, mas depois se enturmou, estudou com Luiz Áquila e Pulo Garcez e decidiu transformar o amadorismo em coisa um pouco mais séria. Participou de algumas manifestações coletivas, pintou em muros públicos e finalmente partiu para as individuais. A primeira foi 1982, mas só há três anos largou definitivamente a profissão técnica e, agora, é apenas artista. Hoje, ele inaugura mais uma individual, com 10 telas expostas na Saramenha (Shopping da Gávea, R. Marquês de S.Vicente, 52).
A decisão de se tornar pintor não foi fácil: segundo ele, foram precisos 12 anos de análise, apesar de, na Itália, ele ter frequentado a Academia de Brera. Lá, o ensino era “muito antiquado: tínhamos que fazer natureza morta e copiar figuras de gesso”. De início, a figura, seu interesse central, aparecia sob uma gestualidade violenta e um colorido forte. Aos poucos, a figura começava a desaparecer e a dar lugar a uma pintura explosiva, em grande formato, mais abstrata e subjetiva. Em 1986, uma nova individual mostrava uma reorientação na sua pintura, não muito bem sucedida, aliás. A gestualidade e a cor perderam a violência, a pintura tornava-se um todo meio indistinto. Depois disto,Adriano começou a repensar o seu caminho. A despeito de ele agora retornar à figura, Mangiavacchi retomou a dramaticidade anterior, e que ele explica através do paralelo com a psicanálise: ele faz com o abstrato o mesmo que (cada um à sua maneira) Bacon e de Kooning faziam com a figura: trabalhavam a sua dilaceração interna.
“É ela que revela de que modo o inconsciente guia os nossos atos. O racional ordena os impulsos. Na pintura, tento refazer este modelo, ser instintivo, impulsivo, e organizar a imagem ao mesmo tempo. Há sugestões figurativas, mas não representativas. O que imprimo na tela é o ser interior, o que se debate e que se dilacera entre todas as dúvidas. Por isso as imagens são perturbadas e sem forma muito definida, construídas com a massa de tinta grossa”.
Explicações psicanalíticas nem sempre se adéquam em terrenos alheios àqueles para os quais elas foram criadas: no caso de Adriano, não são exceção. Olhar sua pintura buscando nela apenas uma explicação psicanalítica é perder de vista o que ela tem de mais importante: sua plasticidade. E a pintura de Adriano é isto:um impulso que se resolve sempre na plasticidade.
Texto de Reynaldo Roels Jr, publicada no “Jornal do Brasil”
em 17 de novembro de 1988.